Família Também é Trabalho


Texto Publicado na Revista Casal Feliz da CBB

No texto O Casamento Ainda está na Moda? abordo algumas avntagens do casamento. Neste texto falaremos do trabalho que é necessário dispensar à família para se ter um ambiente de saúde emocional plena.

A forma que o homem se relaciona com o trabalho depende da cultura. Índios e ciganos não trabalham para acumular riquezas. Alguns países da Ásia se recusam a substituir operários por máquinas para evitar desemprego em massa. São sociedades que respeitam a natureza e não a violentam em seu trabalho.

A relação entre homem e trabalho de hoje é construída pelo mundo capitalista industrializado e globalizado. Essa consciência é importante para não naturalizarmos os comportamentos. Quando fazemos isso, nos fixamos e impedimos novas formas de relacionamento familiar saudável e vemos como inevitável a forma de relação que temos com o trabalho.

Desde o início da industrialização no século retrasado o trabalho foi perdendo sua característica de expressão da criatividade humana. Hoje se tornou atividade mecânica, repetitiva, cansativa, acumulador de riquezas, ocupador de todo o tempo e competidor natural da família, possibilitando estresse e doenças.

Já no ocidente, o trabalho desempenha a função de ser instrumento para se alcançar status, posição social e acúmulo de riquezas. O bem estar psíquico está conectado com tais efeitos positivos que o capitalismo proporciona. Só se é alguém se houver posses e demonstração de poder de aquisição. Caso contrário, desesperadamente busca-se essa identidade baseada em pressupostos terrenos. Assim, de certa forma desloca-se Cristo.

Para alguns poucos, o trabalho tornou-se obsessão. Isso porque o sujeito se culpa quando não está trabalhando, o que gera estresse e isolamento da família. Essa obsessão pode ser a fuga de alguma frustração, depressão ou o pavor intenso e inconsciente do fracasso, o que faz o indivíduo movimentar-se freneticamente para evitar a tragédia fantasiada.


Prejuízos familiares do tempo roubado

Sendo a família o núcleo da base afetiva do indivíduo, é nela que renovamos força, pelo menos em teoria, para retomar o ciclo produtivo. É em família que devemos ser amparados, compreendidos e suportados. A família é o núcleo de formação básica da personalidade e precisa ter função terapêutica, como célula espiritual saudável.

Essa base afetiva cria a assertividade que é um pacote emocional formado pela segurança, autoestima, autoconfiança, caráter, valores, tranqüilidade, equilíbrio emocional, determinação, dentre outros. Se a função de base afetiva da família competir com o tempo, a assertividade tende a ser precária tanto para cônjuges quanto para filhos. Assim, a falta de tempo representa uma ameaça. 

Nesta sociedade industrial, mudou-se a relação com o tempo. O tempo não é mais distribuído porque é apanhado por tudo o que envolve o trabalho. Podemos considerar trabalho tudo o que é realizado na tentativa de atingir o objetivo de ser alguém na vida. O texto Retratos dessa Sociedade analisa a estrutura social em que estamos vivendo e que nos influencia psicologicamente.

O trabalho sempre se conectou com o senso de identidade, mas hoje a estrutura de maneira mais exclusiva. A família não mais ocupa o lugar central de conferir identidade. No século passado a identidade vinha do nome familiar. Já que a família está deslocada, precisa-se de investimento nas relações.

Há quem pense que ter uma família é apenas ter uma família. Pelo contrário. Família também é trabalho. Se você tiver uma família, possui uma instituição para a qual precisa planejar tempo para relacionar-se com qualidade. A estruturação familiar quase sempre não está no projeto de vida de alguns.

Esse investimento em família não é apenas de tempo. É investimento da relação, da vontade, de amor, de doação. É preciso que à presença esteja aliado o investimento de afetividade. Este tempo precisa ser planejado para que haja doação de algo que custe. Só assim podemos falar em amor. Para entender melhor como se relacionar em família, recorra ao texto Sugestões para o Relacionamento Familiar.

Esse investimento deve ser de afeto e não de cobranças ou projeção de expectativas. Precisa ser ativos positivos, tais como amor, conversa, carinho, audição realmente interessada em ouvir o mundo do outro e as suas dificuldades e ausente da culpa e da preocupação de não estar trabalhando, pois isso é sempre tóxico para as relações.

Esse investimento pode ser atrapalhado pelo egoísmo, que é uma postura psicológica, mais do que um mero sentimento. Na prática o egoísmo é discreto. Só se pensa no próprio bem-estar, apesar da preocupação com o outro. Qualquer cansaço é suficiente para adiar a planejada atividade em família, mas nunca suficiente para adiar o trabalho. Amamos a família, mas na prática sempre ficam com o tempo restante.

Por conta disso, alguns casais desenvolvem crises conjugais a partir do excesso de trabalho e há os que encobrem a possível crise com o trabalho. As relações conjugais ficam distanciadas se o casal não tiver convivência real. Há quem veja isso como remédio para a rotina. Contudo, o casal deve estar monitorando em todo tempo o equilíbrio trabalho versus matrimônio.

Com a falta de tempo cria-se uma confusão entre criação e educação. Criar é se relacionar corretivamente quando algo dá errado. Educar é se envolver preventivamente no mundo dos filhos. É preciso ser presente, por vezes fazendo-os perceber que você sacrifica trabalho. Devido à falta de presença muitos filhos se tornam rebeldes para testar o tamanho do amor dos pais. Os textos Psicologia para Educação de Filhos e Psicologia de Adolescentes ajudará o casal nessa tarefa de educar.

Filhos precisam de doação. Precisam ver que pais, mesmo cansados no fim do dia reservam tempo. Os filhos precisam captar o afeto vindo dos pais. A afetividade é mais sentida em ações, gestos do que por palavras. É insuficiente falar que ama. O amor precisa ser sentido e não somente ouvido. Sacrifique algum projeto para que ele sinta seu amor.

Filhos que não possuem percepção de amor tendem a se tornar mais inquietos e ansiosos, como se algo faltasse. O amor preenche, a sua falta angustia. Assim, há rendimento escolar não satisfatório e eles tornam-se influenciáveis nas relações sociais. Dessa forma, os filhos buscam na sociedade o que falta e quase sempre encontram fetiches (relação parecida com vício que preenche uma falta emocional).

Um sentimento que polui a educação é a culpa. Pais que trabalham muito e possuem pouco tempo tem dificuldade de dizer não, de impor limites e frustrar alguns desejos dos filhos. Assim criam adultos que não percebem seus limites no meio social.

Além do prejuízo nas relações, o cristão pode ainda prejudicar o templo do espírito com o excesso de trabalho. Estresse, fadiga crônica, psicossomatizações, irritabilidade, ansiedade, prejuízos de memória, problemas orgânicos e etc podem acometer o Workaholics (viciados em trabalho). Dessa forma, além do problema da saúde pessoal, toda a família adoece junto.

Contudo trabalho é atividade divina e precisa ser bem entendido segundo a bíblia para que não haja relação psicopatológica entre homem e trabalho.


O cristão e o trabalho

A relação de Deus com o trabalho sempre foi saudável. A criação do mundo foi gradual. Deus sem precisar descansou no sétimo dia, como se desse exemplo ao homem. Cristo trabalhou com dedicação e empenho, mas sempre amparou a família e os necessitados. Sua identidade sempre esteve embasada no Pai e todos os discípulos eram trabalhadores. O Mestre dissera que nosso Pai trabalhava e que por isso Ele trabalhava também.

Por vezes, a ansiedade do cristão quanto ao futuro cria um frenesi para o trabalho. Sabemos que não devemos andar ansiosos quanto ao que comer, beber ou vestir, mas precisamos ser prudentes como a formiga. A formiga trabalha progressivamente, com calma e sem estresse.

O trabalho precisa conjugar-se ao bem-estar familiar e não exclusivamente estar relacionado à aquisição de identidade, posição ou status. A identidade precisa estar embasada essencialmente no caráter do mestre. Contudo, ter o trabalho como satisfação não é um pecado. A harmonia é a palavra-chave.

Biblicamente trabalho precisa estar em equilíbrio com a família. A mesma bíblia que diz vai ter com a formiga, ó preguiçoso (Pv 6:6-11) é a que diz que se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua família, negou a fé, e é pior do que o infiel (I Tm 5:8).

Portanto, o cristão precisa estabelecer com o trabalho uma relação baseada em motivações que proporcionem saúde psíquica. Não pode preencher o que lhe falta com o trabalho. O trabalho precisa ser um meio para servir à família e não aos interesses egoístas do indivíduo em detrimento da família, só assim teremos asseguradas a saúde psíquica e a espiritual para uma vida plena que não nos desloque das atividades do reino.

Por fim, complemente sua leitura com o texto Os Ruídos da Comunicação Familiar, onde analiso algumas formas erroneas de comunicação que podem prejudicar a família.

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