RETRATOS DESSA SOCIEDADE


Título Original: Sociedade do Excesso sem Exceção: de 1960 até idos de 2050

Nesse texto abordo uma realidade social do séc XX e XXI. Uma realidade social tende a formar uma mentalidade em massa.  É o que se chama de Produção de Subjetividade. Eca! Nome feio. Pois é. 


Cientistas sociais, psicólogos e psicanalistas descobriram que essa mentalidade social forma não somente modos de pensar e de ser. Forma também psicopatologia. Por isso se diz que a Depressão é o mal do século. Ou seja, é uma psicopatologia relacionada a um momento social.


O texto Depressão Social aborda as consequências negativas dessa Sociedade do Excesso na saúde mental de algumas pessoas. Deve ser lido para se entender melhor esse processo de mentalidade social gerando um sofrimento psíquico.

Nessa sociedade, filhos assassinam pais, tios decepam mãos de sobrinhos bebês, professores alertam alunos para a nota zero da prova e recebe um ‘e daí’ como resposta, pulamos normalmente por sobre mendigos nas ruas, receamos nos casar, ficamos ao invés de namorar, assistimos o horror na mídia e não nos assustamos, a expressão da sexualidade é múltipla, convivemos pacificamente com a violência, ser ator não é mais coisa de gay, médico, engenheiro e advogado não são mais as únicas profissões, queimam-se prostitutas, oficiais da sociedade abusam do poder, adoecemos psicologicamente sem saber o porquê e etc.

Estamos numa sociedade ímpar. Sociedade do excesso onde a diversidade não permite exceção. O diverso trouxe uma nova normalidade. O normal não é mais versão do único, mas a expressão do multiverso. Logo, nada é exceção, nem mesmo o excesso.

Sociedade do excesso porque o desejo não tem lei. A autoridade não mais orienta, regula ou limita. A autoridade se cala, pois não tem mais legitimidade para apontar para todos o caminho verdadeiro, pois o saber científico diz não existir. O saber científico é uma autoridade que desregula a autoridade do senso comum e da moral na sociedade. O saber científico se põe perante a autoridade dos pais e educadores apontando-lhes a autoridade que aponta a direção como um sinônimo de autoritarismo e abuso de poder. Daí se explica, por exemplo, os filhos sem limites, violentos contra pais e educadores e filhos que assassinam pais.

Sociedade sem exceção porque não há normalidade única, não há a versão correta a se seguir e nem quem esteja fora da versão, então não há quem esteja fora do normal. Assistimos a morte da moralidade. Não há o ideal, o correto, a verdade única. Dessa forma, ninguém está em exceção, já que não existe uma única versão, mas sim o multiverso, a diversidade de opções possíveis e de maneiras de ser e existir. Daí se explica, por exemplo, a expressão da sexualidade nessa sociedade, onde não há mais homens e mulheres e heterossexuais, há o multiverso de opções sexuais sem quem oriente qual seguir. Não há na sociedade a orientação para uma verdade única como a heterossexualidade.

Sociedade onde tudo é corriqueiro, diverso e em excesso. Onde não ha anormal e nem normalidade, pois tudo é diverso. Então não há exceção ao normal, não há estado de exceção, não há o estranho que assusta, já que tudo é diverso e excessivo. O excesso entre o diverso faz tudo parecer normal-sem-exceção. Nesse contexto se percebe a dessensibilização moral e ética em parcelas da sociedade.

Não há quem hoje se espante ante o excesso de violência, de erotismo e de horror expostos na mídia através de reality shows que se propõem a retirar as fronteiras entre a dimensão pública e privada da existência humana. A retirada dessa fronteira delimitadora entre público e privado proporciona a sensação do excesso na atualidade. Antes o que a moral barrava, hoje o desejo anseia sem limites. O desejo deleita-se com pessoas aprisionadas em condições de vida excessivamente aterrorizantes, erotizadas e violentas.   

É o excesso do e no desejo do outro. A hipermodernidade de que fala Lipovetsky. Perante o multiverso o desejo sem lei fica desnorteado e por vezes colapsa. Proibir é proibido. Assim estimula-se a produção do diverso e do excesso. Quem se diverte é o gozo que flui desregradamente livre e temporariamente ou colapsa diante do impasse das escolhas. Isso explica o ‘ficar’ e a dificuldade de arrumar casamentos na sociedade onde ninguém quer compromisso conjugal duradouro.

Assim, o mendigo, o menino rua, a prostituição, as drogas, a violência, a corrupção, a degradação do outro não mobilizam como antes mobilizam a movimentação social. Entretanto, há parcelas da população assustadas com essa normalidade do anormal e assim fundam instituições de promoção do anormal dentro dessa normalidade patológica. Eles vêm dizer, por exemplo, que meninos de rua não é tão normal assim, vêm dizer que pessoas sem educação básica é anormal e que fogem do normal da cidadania.

Portanto, as ONGs, de certa forma, representam o resgate ideológico da normalidade através do apontamento do anormal e do excluído dos direitos de cidadania. Sua função é a de ressensibilizar os dessensibilizados ao advogar que algumas condições de vida são anormais perante uma rede de dispositivos legais que garantem a normalidade perdida da cidadania.  

Na modernidade havia o instituto psicológico da Identificação. Em família havia a existência do discurso do Outro que nos apontava o caminho ideal e com essa forma de caminhar nos identificávamos barrando o excesso de desejo pueril com o qual nos sobejávamos na infância. A relação entre família e os papéis de seus membros se modificaram. Novas funções são observadas. Não há mais quem diga sobre o certo ou errado e barre o excesso de desejo em família. Só há quem na sociedade profetize o excesso de desejo como ativadores de males vindouros.

Percebemos na atualidade a queda do outro que regula o excesso de desejo em família, pois barrar agora é crime inadequado. A lei familiar não mais proíbe o desejo, pois ela não existe. A proibição pela lei se fora e presenciamos o excesso e o desrespeito pela existência do próximo. A alteridade só existe enquanto servir de objeto do desejo. Daí a efemeridade dos encontros. Portanto, desejo excessivo sem lei nos fala de egoísmo a partir de um ponto de vista. O que importa é exceder o desejo, mesmo que o outro, que não aprendemos a vê-lo em seus direitos básicos, exista.


Essa transformação é resultante da ordem capitalística que produz subjetividades, como nos diz Guattari. Essas subjetividades devem suportar o multiculturalismo, o diverso, como na noção de Slavoj Zizek. Assim caminhamos, em excesso e em nova normalidade. Rumo a uma nova sociedade. A sociedade do excesso. Sociedade sem noção de privado. A sociedade do diverso. A sociedade sem lei para o desejo. Uma sociedade sem exceção e egoísta, portanto.

E para os cristãos: qual o papel do cristão nessa sociedade? Qual tem sido a influência dessa sociedade (que está apontada em II Tm 4:3) sobre a Eclésia? Remoralizar o desejo? Circunscrever-se dentro dos muros ‘protetores’ da igreja? Ou apenas continuar caminhando obedecendo a ordem da Grande Comissão? Fica o desafio da reflexão.

No texto A Realização do Voluntariado, abordo como Freud entendia a mentalidade social gerando Psicopatologias. 
Dr Marcelo Quirino
Psicólogo Clínico/UFRJ

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