Já
concedi uma entrevista para Universidade Metodista de São Paulo - que inclusive virou um livro - sobre
Psicologia do Sequestrador e do Sequestrado. Nesse analiso algumas questões
relacionadas ao criminoso passional. O nome do livro é 159 Sequestro Sob Tensão (Garcia;
Caretta; Casanova; Souto. (Org.). São Paulo:
Universidade Metodista de São Paulo, 2010).
Nesse texto, abordo o caso antigo e que causou polêmica nacional do
caso do seqüestro (mais devidamente cárcere privado, conforme artigo 148 de
nosso código penal de 1940) da jovem Eloá Cristina, 15 anos, por Lindemberg
Alves, 22 anos em São Paulo durante os dias 13 a 17 de outubro de 2008 não
permite sobejar mais nenhuma dúvida: evidencia-se a necessidade de um protocolo
diferenciado de ação operacional policial nos cárceres privados passionais.
Tanto pela natureza do crime, quanto pela sua motivação psicológica.
Alguns
desses casos são realizados por réus primários, de boa índole e ficha criminal
limpa. São indivíduos com boa relação social, profissional e comportamento
devidamente registrado como normal pala sociedade, mas que emergem como os
atores principais de atos assim em um dado momento.
Isso
não quer dizer que não evidenciaram sinais que supusessem seu traço psíquico e
seu futuro comportamento criminoso. Mas isto, a capacidade criminosa passional,
antes de ser um fator determinado de antemão, é antes sim encarado no âmbito
probabilístico.
A
característica criminal ou o modus operandi dos criminosos passionais
assim se define: no Cárcere Privado Passional há alto risco de intencionalidade
e planejamento da ação, ação exterminadora/vingativa, possessiva ou suicida.
Esse
modus operandi desviante nos torna manifesto um comportamento psicótico, ou
ciumento ou possessivo devido à específica relação interpessoal amorosa entre
um dado casal. O comportamento criminoso é, portanto a expressão comportamental
de uma subjetividade patológica (que pode possuir diversas estruturas de acordo
com sua situação no Complexo de Édipo familiar) em contato com uma específica
personalidade que juntas constroem uma relação característica.
Isto
quer dizer que o comportamento delituoso e o seu conseqüente perfil psicológico
patológico só se tornam evidente numa dada relação peculiar com uma dada
personalidade da companheira (o). O comportamento criminoso passional é
resultante da específica relação interpessoal amorosa e não da personalidade do
delinqüente em exclusivo.
O
delinqüente apenas encontra na subjetividade do parceiro condições que reforçam
(complementam) a própria estrutura subjetiva, propiciando o comportamento
criminoso e ou o mais adequado, torna-o evidente. É destarte a expressão
comportamental da convergência de uma estrutura psicológica dada com uma
relação amorosa específica.
Já
o Cárcere Privado Ocasional (a maioria em que não há envolvimento passional, ou
seja aqueles onde a negociação é uma possibilidade ampla) há um alto risco de
reatividade da ação e ação com fim auto-defensiva, ou seja, o que se faz visa à
defesa da integridade física e a garantia de alguns ‘direitos’ negociáveis com
a policia, ou no caso do seqüestro uma ‘recompensa em dinheiro’, ou uma ação
exterminadora, somente.
Logo,
percebe-se que um segundo divisor de águas na
Desde
então, a ação verbal através da negociação fora estendida e valorada por
deveras e as ações interventivas como invasões planejadas e o disparo por
atiradores de elite têm sido considerados como alternativas desviantes e
finais.
Com
isso, uniformiza-se um modus operandi generalizado e universal para as diversas
situações envolvendo diversos atores com diversas naturezas psicológicas,
motivações e finalidades em mente com a ação criminosa.
Isto
significa que o poder público relaciona-se de forma uniforme com diversos
criminosos de perfis diferentes e com intuitos dos mais diversos nos mais
diferenciados atos e tipos de cárceres privados. Como exemplo, negociar com um
indivíduo que possui um objetivo fixo e difícil de demover por mais que se
proporcione negociação extensa.
Entretanto,
é somente a partir de um levantamento do perfil psicológico longitudinal e
amplo do autor da cena do crime que se torna possível a determinação da ação
mais adequada e o protocolo a ser seguido. Um desafio, frente ao pouco tempo de
uma decisão num cárcere privado, mas isso não excluiria a consideração das
possibilidades para se coletar informações amplas.
Mesmo
em cárceres privados passionais, há uma diversidade de perfis psicológicos que
podem estar envolvidos em cada caso. Como por exemplo, um cárcere privado
passional pode ser motivado para um fim de justiça, ou de posse amorosa, ou de
vingança.
Tais
finalidades são motivadas (estabelecidos de antemão por motivos diferentes dentro
do relacionamento amoroso) por perfis psicológicos diferentes, mas todos
possuem características passionais.
Esses
perfis incluem psicopatas, parceiros traídos, parceiros possessivos. Tais atos
criminosos desses indivíduos réus primários proporcionam um espanto na
sociedade, pois esse tipo de insanidade mental só se evidencia numa determinada
relação amorosa, não em todas.
Alguns
critérios devem estar de perfeito encaixe com a história familiar e social
pregressa do individuo. A análise desses fatores é por deveras longa e extensa,
não objetivado aqui.
Revela-se
então de imediato o que dantes não era percebido e a patologia mental agora se
torna fonte de surpresa pública. Um criminoso se revela, mas somente em
direção, contato e relação com a vítima alvo.
Portanto,
devido à especificidade dos atos criminosos passionais frente aos casos de
cárceres ocasionais, entende-se que algumas questões se evidenciam e ao mesmo
tempo mostram a necessidade de uma discussão ampla dos poderes públicos e da
sociedade na determinação de ações interventivas específicas.
Esse
trágico caso que culminou com a morte de uma jovem e o abalo psíquico e social
de alguns demonstra que:
1.
Evidencia-se
claramente que há uma diferença entre cárcere privado passional (premeditado),
seqüestros e cárcere privado (ocasional), no tocante à ação/reação do bandido,
à sua motivação e comportamento;
2.
Cada
tipo de cárcere privado com risco de vida para a vítima indica um tipo de
motivação criminosa e de personalidade que deve ser levado em conta nas ações
protocolares e operacionais do poder público. Isso deve ser entendido e apoiado
pela opinião publica e principalmente pela mídia;
3.
Fica
evidenciada a diferença substancial entre o perfil psíquico do criminoso
passional e o agente de seqüestro e cárceres ocasionais: o criminoso passional
não tem nada mais a perder e nem a obter;
4.
Evidenciam-se
a necessidade de levantar o perfil psicológico e a motivação do ato para
posteriormente se traçar operações com base em protocolos de ação
pré-estabelecidos;
5.
Fica
patenteada a necessidade de diferenciação das ações operacionais quanto aos
casos passionais, bem como o estabelecimento de novos e específicos protocolos
de ação diferenciados para cada caso;
6.
Casos
passionais demonstram a motivação e a personalidade do criminoso diferente de
um criminoso agente de um cárcere privado ocasional ou seqüestro para resgate
financeiro;
7.
Fica
evidenciada a impotência do poder público frente a esses casos passionais
quanto à negociação e ao domínio da situação;
8.
Fica
evidenciado o despreparo do poder público frente a esses casos passionais: um
protocolo internacional de segurança foi rompido ao permitir a volta de uma das
seqüestradas ao local de crime;
9.
Evidencia-se
um despreparo técnico policial frente à dimensão psicológica desses casos
passionais;
10.
A
necessidade de a opinião pública pressionar para a exigência de um novo
protocolo ao invés de responsabilizar a polícia pelos fatos;
11.
Mostra-se
a necessidade de um psicólogo policial altamente treinado e especializado em
casos específicos como negociador principal;
12.
Vê-se
que a polícia subestima demais o criminoso devido à falta de um protocolo de
ação que distingue casos passionais de ocasionais: imagina-se que a
possibilidade e o poder de negociação seja idêntica aos casos ocasionais e
sempre eficaz;
13.
Evidencia-se
a falta de aparatos tecnológicos de escuta, de visão e de invasão à disposição
se tornam primordiais;
14.
Torna-se
necessário a ampla intervenção nas operadoras de telefonia móvel e fixas das
linhas telefônicas envolvidas na comunicação entre o seqüestrador e a poder
público, restringindo a comunicação para esta via somente;
15.
Principio
do menor risco para o risco de vida: considerar a invasão ao local do cárcere
privado e a ação de um atirador de elite como uma ação primária e não
secundária, como interventiva e preventiva e não ameaçadora e secundária;
Posto
esses dados evidenciados com o caso do ABC paulista, espera-se que a sociedade
permita-se ao menos pensar sobre o caso de crimes passionais antecedidos de
cárceres privados e sobre seus protocolos de ação policial.
Espera-se
que se possibilite um diálogo amplo, interdisciplinar e democrático sobre essa
tipologia criminosa que tanto nos evidencia a própria fraqueza e impotência do
poder público e da sociedade, os reais reféns virtuais de criminosos
passionais.
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