1 - Quais são os mecanismos que o seqüestrador usa para ficar no controle?
Mecanismos físicos e psicológicos. Os psicológicos (medo, relação abusiva, ameaças). É importante ressaltar que o estabelecimento do medo não é suficiente. O bandido precisa passar a imagem de...
2 - Há diferença de trauma para quem passa por um seqüestro relâmpago ou em cativeiro ou em cárcere privado?
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Há um texto sobre Psicologia do Criminoso aqui no site que complementa a leitura desta entrevista.
Psicologia dos Seqüestros
1 - Quais são os mecanismos que o seqüestrador usa para ficar no controle?
Mecanismos físicos e psicológicos. Os físicos (capuz, mordaças, presilhas, armas) trazem ao indivíduo uma sensação de fragilidade e de debilidade.
Os psicológicos (medo, relação abusiva, ameaças, chantagens). É importante ressaltar que o estabelecimento do medo não é suficiente. O bandido precisa passar a imagem de desequilibrado (o que por vezes já é natural) para que a vítima acredite em uma possível tragédia iminente.
Esses mecanismos ainda são graduais, envolvem a surpresa, o mistério. Como em filmes de terror. Onde o desconhecido perturba o equilíbrio.
Esse medo causa o desespero e tem a função de corromper funções cognitivas básicas do sujeito. Quanto mais desequilibrado o seqüestrado, mais sensação de controle terá o bandido. Pois as inundações emocionais impedem as funções de raciocínio.
2 - A vítima de seqüestro dispõe de mecanismos para se defender? Ou, sob tensão, perde todos eles?
Se defender de quê? De que forma? Se defender atacando ou se defender sendo pacato e calmo? Perante uma situação desvantajosa (ou até mesmo vantajosa), por vezes, é mais prudente estabelecer a calma e aceitar tudo o que pedem. Mas geralmente diante do medo, alguns sujeitos perdem temporariamente a capacidade de raciocínio e podem agir por impulso, sem que isso signifique defesa adequada.
Essa perda da capacidade de raciocínio é explicada por mecanismos neurofisiológicos específicos no cérebro envolvendo adrenalina e start do sistema nervoso central que estão em íntima conexão com os sistemas instintivos do homem.
3 - O seqüestrador tem menos limites psicológicos (no sentido de não ter pena, ser maldoso, em alguns casos)?
Ele precisa ser assim para lograr êxito em sua ardilosa tarefa. Por vezes um psicopata é um desequilibrado psicologicamente. Por vezes, o desequilíbrio não é necessariamente uma verdade do seqüestrador, mas está agindo sob pressão ou conveniência.
4 - Como se dá, psicologicamente, o apego entre vítima e seqüestrador nos dias de cativeiro? (O que acaba ocasionando na síndrome de Estocolmo). Essa relação realmente acontece por parte do seqüestrador ou é só uma “jogada” para deixar a vítima mais “tranqüila”? Isto seria reflexo de uma dupla personalidade do seqüestrador?
Esse apego se dá por um mecanismo psicodinâmico genérico chamado Identificação. É um conceito complexo e vasto. Mas como resumo da ópera, podemos defini-lo aqui como Parecença (processo de parecer-se).
As causas que proporcionam a identificação que caracteriza a síndrome são múltiplas: desde conveniência para colaborar com o seqüestrador (uma fase atingida depois da fase do desespero, da negação da realidade, a fase de exaustão, da aceitação da realidade e da entrega psicológica) e até mesmo com fantasias inconscientes de ter prazer associado a medo (um mecanismo ativo em sadomasoquistas, por exemplo).
Com o tempo, se não houver tempo hábil para libertação e se as circunstâncias das personalidades de seqüestrador e de seqüestrado coincidirem, a síndrome pode se estabelecer. Nessa fase, o seqüestrado vê o bandido como o protetor e começa a enxergar a ação da polícia como uma ameaça à estabilidade do cativeiro. E irracionalmente, deseja-se que a polícia não tenha ações enérgicas.
Esse estado é fantasioso. A vítima perde contato com a realidade após um intenso stress angustiante continuado. Cria-se a ilusão de que o seqüestrador é o seu protetor.
5 - Há diferença de trauma para quem passa por um seqüestro relâmpago ou em cativeiro ou em cárcere privado?
Sim. Muitos. Em profundidade e em natureza. O trauma é sempre um evento não elaborado pelo ego do sujeito (a parte da personalidade que pensa e raciocina). Todo trauma não elaborado precisa ser repetido na mente para haver elaboração. É um mecanismo evolutivo ainda inadequado. Daí os sonhos (à noite e mesmo acordado como ilusões).
O trauma de um seqüestro relâmpago pode apenas causar medos e mudanças comportamentais nas rotinas do sujeito e pequenas paranóias. Já o trauma do cárcere privado pode ser incapacitante e esterilizante da vida social do individuo que, traumatizado, abstém-se de se relacionar conscientemente com o mundo que o cerceia.
6 - O trauma pode durar quanto tempo? Pode ser para a vida toda? Quais são os sintomas? Eles vão mudando?
Sim, pode durar muito tempo. Toda energia psicológica, bem como os sintomas, são passíveis de assumirem diversos destinos e conseqüentemente transformações. Um medo de sair de casa pode transformar-se com o tempo em um medo de pessoas de uma dada característica parecida com o seqüestrador, por exemplo.
Os sintomas envolvem pânico, transtorno do stress pós-traumático e ansiedade generalizada com conseqüente abstenção de participação na vida social. Além de uma série de pensamentos irracionais e de paranóias que se estabelecem como forma de defesa do ego diante do trauma.
O sujeito pode ver medo em tudo, pode haver desinteresse e desmotivação pelo engajamento na vida social e profissional, além de prejuízos cognitivos na memória, no pensamento, na atenção e na concentração.
7 - O que ocorre no cérebro da vítima? E no do seqüestrador (sabendo que pode ser pego a qualquer momento)?
Uma ativação do sistema nervoso central embasado por adrenalina e outras substâncias. Em sentido psicológico, o seqüestrador está em estado máximo de alerta, que pode corromper seus sistemas perceptivos, criando alucinações visuais parciais. Por isso a postura da polícia é sempre lenta, devagar, sem impulsividade e sempre prenunciada para diminuir no bandido a possibilidade de alucinações, erros de percepção e de julgamento, bem como conseqüentes comportamentos automáticos, visto que está com o sistema nervoso hiperfuncionando.
A vítima está sob um mecanismo de tensão, medo e terror. Fisiologicamente são parecidos, mas psicologicamente possuem um efeito diverso no comportamento e na postura subjetiva.
8 - Como é o tratamento para uma vítima de seqüestro? E para o seqüestrador?
O tratamento pode envolver fármacos mais terapia de médio a longo prazo com estratégias psicoterapêuticas de reavaliações cognitivas das crenças distorcidas, experimentação gradual das rotinas sociais, revivência emocional controlada do stress revivenciado, que é ressignificado a nível inconsciente e reelaborado.
O tratamento para o seqüestrador é um longo debate em torno de restabelecimento social e penal. É uma questão ainda não fechada e debatida pela classe psi nesses dias.
9 - Será que o seqüestrador pode ser considerado doente?
O termo doença alude mais a aspectos médicos. Mas o bandido pode ser considerado incompatível para a vivência em sociedade. São questões de categorizações nosográficas. Há os profissionais que assumem uma postura médica e os que assumem posturas menos radicais e não-classificatórias. Pra a psiquiatria é sim um doente, para a psicanálise é um sujeito psicopata portador de transtornos psicóticos grave.
10 - Será que é possível definir como funciona a mente de um seqüestrador?
Vendo apenas seus objetivos, não considerando as conseqüências de seus atos, ou considerando-as, mas fazendo pouco caso delas, haja vista que sua vida já é considerada errante e perdida, sem solução.
Precisamos ainda definir uma diferenciação na natureza dos seqüestros. No caso Eloá, aí em São Paulo, era um seqüestro com fins passionais, onde uma mente psicopata não considerava a perda do objeto de amor que não deveria ser de mais ninguém. É com certeza um sindrômico com transtornos que remetem à infância. Tenho um texto sobre esse caso em meu site www.marceloquirino.com .
11 - É possível traçar o perfil dos seqüestradores?
Prefiro não fornecer características, pois esse perfil não serve para antever comportamentos. É importante apontar isso. E o que determinará um comportamento criminoso nem sempre são características psicológicas em exclusivo, mas sim as sociais, as históricas, as institucionais, etc.
Por Garcia, Caretta, Casanova e Souto
Esta entrevista está incluída no livro dos autores “159: SEQUESTRO SOB TENSÃO”.
Publicação da Universidade Metodista de São Paulo no ano de 2010
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