Entrevista ao Jornal Universidade Católica de PE


 Marina Didier. Gostaria que você me falasse um pouco, se possível, sua opinião sobre sexo virtual...

Marcelo Quirino. Precisamos pensar que a tecnologia é tudo o que serve como instrumento para o homem interagir na realidade. Tecnologia é todo instrumento que...

M. Q. Como você imagina as relações num futuro não muito distante?

M. Q. Cada vez mais liberais, heterogêneas e polissexuadas (múltiplas formas de relação entre os sexos), sexo dissociado de casamento, mediadas por tecnologias, sexo virtual e etc...



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Há um artigo escrito para uma Revista Casal Feliz, que aborda essa mesma questão de sexo virtual sob a ótica cristã. 


Entrevista para o Jornal da Universidade Católica de Pernambuco sobre Sexo Virtual.

Marina Didier. O tema da matéria está voltado para os aspectos "negativos" que as tecnologias podem trazer, mais especificamente sobre Sexo Virtual.

Gostaria que você me falasse um pouco, se possível, sua opinião sobre essa nova prática, que, assim como várias outras propostas virtuais, vem tanto para aproximar quanto para distanciar as pessoas, na medida em que o contato (físico) passa muitas vezes a não existir mais para algumas pessoas. 

Hoje já existem máquinas que podem ser acopladas ao computador para que as pessoas possam ter mais sensações, aparelhos de música que vibram de acordo com o ritmo e que podem ser colocados na vagina. Enfim, o contato entre as pessoas vai sendo substituído aos poucos. O que você pensa sobre isso?

Marcelo Quirino. Precisamos pensar que a tecnologia é tudo o que serve como instrumento para o homem interagir na realidade. Tecnologia é todo instrumento que vem para resolver problemas ou dificuldades do passado a fim de que não se repitam no futuro. O homem sempre lidou com tecnologia desde épocas primitivas. Podemos pensar, por exemplo, no homem das cavernas. Na caça, dois seres humanos interagiam entre si: um entretinha a caça e o outro vinha por trás sufocar o animal. Mais tarde, a tecnologia (saber pragmaticamente acumulado para dar conta de um problema) desenvolveu a lança de pedra afiada, então os homens pensaram: “será que a lança vai interromper a dinâmica social que há entre os homens durante a caça?”. Certamente não. A tecnologia interpôs-se onde havia relação humana, mas o relacionamento social foi deslocado para outras práticas do social. O que muda é que o homem vai incorporando conhecimentos mais complexos aos problemas para criar tecnologias mais sofisticadas.

Devido à complexidade dos conhecimentos incorporados às tecnologias, esse avanço não sai barato. As tecnologias mudam a forma de o homem se relacionar entre si à medida que são incorporadas nas práticas sociais. Portanto, a tecnologia sempre mudou e mudará a forma de o homem lidar com o mundo. Isso não é de hoje. Mas profetizar que vão extinguir algumas formas de relação social é um imprevisto irracional.

Em relação ao sexo virtual, vemos que o homem interpõe uma tecnologia entre si e o outro. Algo de natureza similar acontece a nível subjetivo: as fantasias sexuais são tecnologias, mas psíquicas. Elas servem de suporte ao gozo, ao prazer a dois. Portanto, o prazer e o contato com um outro via computador não é diferente das fantasias entre quatro paredes. A única diferença das tecnologias virtuais é que distanciam os seres humanos do contato físico. Contudo dizer que essa prática há de extinguir o relacionamento físico a dois é uma precipitação.

Vale ressaltar que toda mudança social oriunda da inserção da tecnologia traz conseqüências para a subjetividade humana. Pontuá-las como negativas ou positivas vai depender de quanto essas mudanças distam do que é valorado numa dada sociedade como sendo algo importante.



Marina Didier. Como você imagina as relações num futuro não muito distante?

Marcelo Quirino. Cada vez mais liberais, heterogêneas e polissexuadas (múltiplas formas de relação entre os sexos), sexo dissociado de casamento, mediadas por tecnologias, sexo virtual e etc. A sociedade pós-moderna, segundo leitura de vários pensadores da cultura como Larsch, Debord, Bauman, Eagleton, Zizek, Sennet e mais tarde Lipovetsky apontam uma sociedade marcada pelo excesso do estímulos e pelo imperativo do gozo imediato. Nesse cenário, a tecnologia tende a ser mais um elemento de veiculação do gozo pela fantasia.

A incorporação dessas tecnologias ao prazer precisam ser entendidas como parte da fantasia humana, que sempre está na motivação libidinosa para o sexo. Pelo computador podemos mais facilmente assumir fantasiosamente posições e posturas. Construímos fantasias mais consistentes. Contudo, isso por si só não explica a inserção do computador no sexo.  

Outros fatores como quotidiano e rotina apertada, a novidade desta tecnologia, a escassez de tempo, a dificuldade de estabilizar relacionamentos num  mundo de relações descartáveis que só servem até onde o gozo psíquico termina, dentre outras, colaboram para interpor essa tecnologia no sexo.



Marina Didier. O prazer pode ir sendo substituído desta forma?

Marcelo Quirino. Sim e não. Não porque o prazer apenas estará sendo reformulado. Prazer está associado à fantasia, não à tecnologia utilizada. A tecnologia está à serviço da fantasia. Para alguns essa tecnologia não serve, porque não é amparada pela fantasia pessoal.

Sim porque o prazer é multisensorial. Logo, nessa tecnologia o prazer fica parcializado, mediado por tecnologia e não-integral. Não há o contato físico com um outro, com seu tom de voz natural anexado ao tipo de olhar, ao cheiro característico da pessoa e às conversas dos flertes. O prazer estará sempre pela metade dessa forma.

Alguns se adaptarão, outros não se adaptarão a tal tecnologia como intermediadora exclusiva para o sexo. Tudo dependerá da fantasia pessoal.


Marina Didier. E o lugar do afeto?

Marcelo Quirino. Afeto é o produto da sensação oriundo do contato com o outro. Por computador pode se afetar uma pessoa. Isso explica as relações de casos de violência contra a mulher que começaram num terminal de computador. O afeto tem o poder de ser carreado por múltiplos canais: palavra, olhar, toque, voz, postura, etc, justamente porque os canais de sua captura são os cinco sentidos, mais ainda a intuição para alguns.

Portanto, o afeto é conduzido tanto pela linguagem verbal quanto pela metaverbal. Assim deve-se destacar que o afeto estará restrito a alguns canais específicos de acordo com a limitação da tecnologia. Afinal, a tecnologia não materializa ninguém em algum recinto, só parcialmente.

Paradoxalmente alguns recorrem a essa tecnologia para intermediar o sexo porque seu senso de autoeficácia (o quanto podem fazer alguma coisa e lograr êxito) está baixo em relação à capacidade de afectar uma pessoa. Por trás de uma tela de computador, seu poder se potencializa, afinal, não é visto, ou é visto de forma distorcida ou criada.


Marina Didier. "Em cinco anos, o pênis estará obsoleto." (Um negociante do ramo da corpomorfia, personagem da novela Steel Beach, de John Varley).

O que você acha dessa afirmação? Acredita que todas essas tecnologias e pênis criados que mais parecem reais podem vir a modificar as relações humanas desta forma?

Marcelo Quirino. O pênis irreal é fabricado e adquirido porque justamente o pênis real está em crise. Enquanto potência masculina, o homem teve seu papel modificado em relação ao da mulher desde a década de 1970 com a revolução feminina da França, onde uma greve de operárias femininas veio para apontar uma série de mudanças de gênero já em curso na sociedade ocidental.

O pênis real está sem poder há décadas. É o que aponta Lacan quando analisa categoricamente a perca do ‘poder’ do homem na sociedade. Não o poder ditatorial ou autoritário, mas o que dá referência aos espaços, o que como másculo se interpõe entre um problema e outro e chama para si a responsabilidade. Hoje há muitos homens com autoestima baixa, impotentes diante da vida, deprimidos, sem saber para onde ir, que não sabem bater no peito e com coragem conduzir uma mulher na dança da vida. Logo estão impotentes e tímidos diante toda essa transformação do social e da mulher. Destarte, precisa-se de pênis irreais para dar conta do gozo feminino que está desiludida com o másculo referenciador. O homem se tornou inacessível enquanto cavalheiro másculo e sensível, que são características importantes para as mulheres.

Esse reposicionamento do homem na pós-modernidade explica a grande atração que homens ‘cachorros’ exercem sobre algumas mulheres executivas. Pois eles, mesmo à revelia da fidelidade, conduzem a mulher com ousadia, coragem e com firmeza e determinação as invadem sensivelmente com seu desejo orientador sem perguntar o que elas querem devido à insegurança. Isso é um gozo para qualquer mulher. Mas cadê eles? Quer ver? Pergunte a alguma amiga quando ela viu um homem que ela julgue ‘de verdade’ e há quanto tempo? Nenhuma mulher, por mais independente que seja, quer um banana que não paga o jantar, que não abra a porta do carro ou que se sente impotente perante a vida. Devido ao reposicionamento da mulher na sociedade, o homem se constrangeu e acha que perdeu poder, mas isso é uma grande ilusão na mente deles. Hoje há sites e grupos virtuais fechados que se prestam ao serviço de ensinar os homens a serem mais potentes diante da vida e de uma mulher. São um sucesso e têm efeito.

Portanto, essa afirmação de John Varley é uma metáfora que serve para apontar mudanças históricas com implicações profundas na subjetividade dos dois sexos e na forma com que lidam com a sexualidade própria e com a do outro. Pertinente, portanto. 

Por Marina Didier, estudante de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco.

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