Entrevista para a Revista Mulher Executiva

MULHER EXECUTIVA: É possível conciliar o trabalho com os filhos, ou essa vida é incompatível?

Marcelo Quirino: Sim, é perfeitamente possível. Estamos numa sociedade onde a mulher desempenha um papel importantíssimo na divisão atual do trabalho. Não é mais possível pensar o mercado de trabalho sem o perfil feminino, o qual acrescentou muito para desenhos de cargos e para a cultura organizacional de uma forma geral.
Empresas inteligentes já perceberam isso e se antecipam com proatividade oferecendo meios às recentes mães para que esse período seja benéfico para todas as partes. Há empresas que, por exemplo, disponibilizam creches com contatos eventuais entre a criança e a mãe no horário de expediente. Antes de perceber isso como um problema, a empresa deve entender a boa relação mãe-filho como uma solução para o bom desempenho funcional das mães, através da inclusão da maternagem em programas específicos da empresa.


ME: Qual a idade ideal para que a mãe volte a trabalhar?

MQ: Não tem como fixar esse prazo com exatidão para todas as situações, mas podemos oferecer princípios para que essa decisão não seja precipitada ou sempre adiada. Um deles é que essa volta da mulher ao mercado de trabalho seja feita no momento no qual a mãe tenha certeza dessa decisão. A mãe precisa desempenhar o seu trabalho sem culpas, receios ou preocupações relacionadas ao fato de ter deixado os filhos em casa. Decisão mal pensada impede que as atividades funcionais sejam realizadas com concentração e foco e todos perdem com isso. Um segundo princípio é que a mãe se resguarde com aparatos para que possa entrar em contato com a criança numa eventualidade mais grave, tais como telefone, trabalho perto da creche ou casa, carro, etc. Um terceiro princípio para definir esse tempo é a condição de saúde da criança, crianças em estado de saúde normal facilitam a volta ao mercado sem preocupações. Um quarto princípio seria acostumar a criança com uma babá de confiança mesmo antes de a mulher voltar ao trabalho, para que ela em casa possa supervisionar a relação babá-criança e ir moldando suas preferências estando presente.


ME: Quando a rotina da mulher exige muita dedicação ao trabalho, como fazer para que ela possa aproveitar da melhor maneira possível o tempo que ela passe com a criança?

MQ: Conhecendo as particularidades momentâneas de seus filhos. Interessando-se por eles. Corre em sociedade um discurso de que a qualidade é o que importa, mas isso é genérico demais. Para haver qualidade a mãe precisa ter o conhecimento da realidade da rotina e do momento psicológico dos filhos. Só há qualidade se houver informação, interesse genuíno e disposição total naquele pequenino tempo com o filho. Muitas mães pensam que brincar com a criança nas horas semanais que sobram já é qualidade, mas a criança pode estar precisando de conversa, de carinho, de abraço ou outra coisa naquele instante. A informação antecede e forma a qualidade específica para cada filho. Nesse sentido, o interesse genuíno por conhecer as necessidades psicológicas, sociais e até mesmo espirituais dos filhos é uma estratégia empreitada junto a babás e familiares que cuidam da criança para que a mãe faça da necessidade, a relação de qualidade específica para cada filho.


ME: E como impor limites sem que esta mãe se sinta constrangida, principalmente pelo fato de não passar a maior parte do tempo com o filho?

MQ: Um perigo se apresenta na relação entre a mãe que trabalha e os filhos: o complexo de culpa. Isso significa que a mãe imagina que por ter pouco tempo com os filhos ela precisa agir com a concessão de todos os pedidos e requisições. Isso é um comportamento rotineiro que impede a formação de autoridade entre mãe e filhos. A mãe que deixa os filhos em casa precisa educá-los para a tomada de decisões, ajudando-os a perceberem o porquê de a mãe ter tomado uma decisão negativa diante de um pedido: a preocupação com o filho e às vezes um não é demonstração de amor e preocupação. Os limites devem ser conversados, explicados, negociados e principalmente existentes. Negar tudo ou permitir tudo é privar-se de desenvolver autoridade.


ME: Quais os cuidados essa mãe deve tomar para que a criança não sofra com a distância?

MQ: Hoje, os filhos são diferentes dos filhos da década de 50 e 60, época antes da liberação da mulher para o mercado de trabalho. Naquela época a relação mãe-filho era uma relação de exclusividade, os filhos até amadureciam mais tarde tanto física, quanto psíquica ou sexualmente por conta disso. Hoje, necessidade de desligamento precoce entre mãe e filho os insere mais cedo no mundo. Por isso, alguns cuidados devem ser tomados para que não sejam jogados na sociedade, mas educados e inseridos sem nenhuma falta afetiva grave. Em primeiro lugar a mãe não deve criar uma ilusão de que essa distância será sempre bem elaborada pela criança. Estar no mundo é vivenciar traumas e adaptações até a morte. O segredo é que a mãe ofereça suporte emocional e afetivo para que os filhos passem por esse momento de uma forma saudável e independente. Conciliar afeto com estimulação da independência é uma via crucial para a diminuição do sofrimento com essa distância. Por isso a importância da educação em processos de tomada de decisão e da imposição de limites claros para a criança. A mãe deve sempre ouvir a criança, mas ter o cuidado de não criar um filho sem limites ou um filho desprovido de afeto ou ainda mimado por conta dessa distância.


ME: O que se deve observar ao escolher onde ou com quem deixar o filho na hora do trabalho?

MQ: A mãe deve ter claro em mente que deixar o filho é também deixar autoridade e relação afetiva para um terceiro. Ter consciência disso facilita o trabalho de quem cuidará da criança. Em segundo lugar, se for alguém da família a mãe deve estabelecer claramente a relação que vai estabelecer com o cuidador. Se haverá pagamento ou não, se pode negociar como será a educação dos filhos, a rotina, etc. Se o cuidador for uma creche, a mãe deve se cercar de cuidados como visitar o local, conversar com pais, pesquisar o currículo e os recursos da instituição e etc. Outro problema muito comum quando o cuidador é um familiar, por exemplo a avó, é a ambigüidade e a contradição de autoridades. Filhos que recebem uma educação da avó e outra da mãe saem prejudicados. Ambas devem chegar a um meio termo e negociarem. Geralmente ambigüidades nas formas de educação não se devem ao acaso, mas a questões não resolvidas entre mãe e filha, como por exemplo, gravidez indesejada que jogará a responsabilidade da maternagem para a avó, a fim de que a mãe trabalhe para sustentar o filho.


ME: Há possibilidade da criança que fica com babás rejeitar a mãe de alguma forma? Como agir neste momento?

MQ: Essa possibilidade existe. A melhor forma é se precaver para que isso não aconteça. Em tese se deve à distância afetiva entre mãe e filho ou se deve à relação entre filho e babá que seja da ordem do monopólio afetivo. Ou seja, babás que não se referem à mãe da criança em nenhum momento e que suprem toda e qualquer necessidade afetiva da criança. A criança precisa ouvir que tem uma mãe que trabalha pela família, uma mãe que a ama e que se preocupa com ela. As babás devem estar à serviço da figura da mãe, se referir e promover a figura da mãe. Explicar à criança que faz o que faz porque a mãe assim o quer e etc. Babás devem ter ciência que há uma mãe e que deve ser respeitada e inclusive promovida nos momentos em que estiver ausente. As mães ainda devem ligar eventualmente do trabalho, se aproximar afetivamente, e sempre se informar como vai indo a relação entre filhos e cuidadores. Mas num momento de inaceitação, talvez umas férias e uma boa reflexão sejam boas saídas.


Revista Mulher Executiva. Ano 1 - Nº 1. Pg. 50 a 51


Entrevista concedida pelo Psicólogo Marcelo Quirino à Revista Mulher Executiva com o Título “Com Quem Deixar os Filhos?”

Leia outras entrevistas do Dr Macelo Quirino na seção Entrevistas.  

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