A primeira pergunta que
me dirigem é: quais fatores levam uma pessoa a fazer isso? Mas essa pergunta está errada.
O que explica tal ato bárbaro não são os fatores. São as ausências de fatores: fatores de amor, de compaixão, de empatia, de capacidade de amar o próximo e fatores de humanidade. Talvez a ausência desses valores afetivos sejam fatores faltantes que explicam tamanho ato bárbaro.
O que explica tal ato bárbaro não são os fatores. São as ausências de fatores: fatores de amor, de compaixão, de empatia, de capacidade de amar o próximo e fatores de humanidade. Talvez a ausência desses valores afetivos sejam fatores faltantes que explicam tamanho ato bárbaro.
Os
traumas nas crianças
Os possíveis traumas
que essas crianças e até mesmo adultos podem ter após essa tragédia são muitos.
Mas dentro de uma mesma tipologia específica. Antes de falar deles, é
importante ressaltar que o trauma é apenas a reação psicológica de uma dada
personalidade diante de um evento altamente estressante no organismo. Tão alta
que não consegue ser significada pelo ego, pois era inesperada e até o presente
momento impossível de acontecer.
Mas precisamos fazer
uma correção conceitual. O fato é que é o trauma, os sintomas psicológicos
posteriores são a marca deixada pelo trauma na psique de uma pessoa. Esses
sintomas psicológicos são uma reação psíquica à memória do evento. Essa memória
do evento volta e se repete na mente humana de maneira inconsciente a fim de
ser elaborada, pode criar uma atitude exageradamente cautelosa e desencadear os
transtornos conhecidos, como fobia social, transtorno do estresse
pós-traumático, depressão e outros sintomas psicofisiológicos como ansiedade,
insônia; dificuldade de concentração e posterior dificuldade de aprendizagem,
estupor, agressividade, fobias diversas, dentre outras.
Numa criança, os
efeitos do trauma podem ser mais devastadores do que num adulto. Justamente
porque a criança ainda tem um cabedal muito diminuído de significar o mundo ao
seu redor. Tudo o que é significado para ela vem do adulto. É pelo adulto que a
criança se insere no mundo, isso em termos psíquicos. A criança tem um
sentimento elevado de desproteção. Vide os pequeninos que são esquecidos pela
mãe no supermercado o quanto eles choram. Logo, o evento traumático encontra
essa personalidade ainda imatura, digamos assim. E ali se manifesta com maior
vastidão de efeitos possíveis. O acompanhamento psicológico para crianças é
obrigatório, por mais que ela se apresente ‘normal’. Não se pode confiar na
aparente normalidade para se conferir um diagnostico de bem ou mal-estar.
Justamente porque a paralisia, ou na linguagem popular, a ‘ficha não caiu’ é
típico de trauma como esse.
Para uma criança, esse
evento de Realengo tem altos poderes destrutivos porque encontra reunidos
vários elementos agravantes: ter acontecido numa escola (lugar de aprendizado e
aparentemente seguro), ter envolvido amigos próximos (o lugar do afeto e da
relação social. Além do estresse do trauma, temos o luto), ter sido uma chacina
(a sensação de fragilidade é aumentada, junto ao cenário aterrorizador de
correria, tiros, sangue, gente correndo e desesperada) e por ter havido contato
com sangue e gente morta (elementos prováveis de permanecer em sonhos). Esses
vários elementos agravantes têm a conseqüência de estender os efeitos do trauma
no tempo e na tipologia manifestada.
Os âmbitos em que podem
aparecer a sintomatologia dos traumas é sempre o cognitivo, o social e o
emocional. No cognitivo, dificuldades de concentração e curso do pensamento
focado no evento traumático, por exemplo. No âmbito afetivo, a vítima pode ser acometida
por desmotivação e falta de vontade de realizar algumas tarefas básicas e
socialmente, a interação social pode ficar prejudicada por fobias ou até mesmo
por fobia especifica relacionada a pessoas do mesmo sexo do agressor, por
exemplo.
Entretanto, tudo isso é
uma variabilidade de expressão psicológica possível. Justamente porque o que
vai determinar qual tipo de sintomatologia apresentada é a equação personalidade
(modo de encarar a vida, grau d e desenvolvimento emocional e cognitivo,
histórico familiar, etc.) + trauma (tempo, profundidade, tipo, grau de
exposição e de perigo) + o manejo no pós-trauma (se houve terapia, se
houve suporte familiar ou grupal, quais defesas psicológicas existem, tempo
passado, etc.).
É a interação entre
esse três fatores que vai determinar a sintomatologia especifica daquela
vitima. Isso pode ser visualizado por
exemplo nas diversas reações das vitimas sobreviventes da escola Tasso de
Oliveira: alguns querem voltar à escola, outros já querem se livrar dela pra
ontem.
É imprescindível
ressaltar que a decisão dessas crianças deve ser respeitada. Se quiserem sair,
que haja liberdade para isso, porque o suporte emocional de cada uma é que vai
determinar qual a reatividade delas ao momento após o evento.
O tratamento
psicológico de todos os envolvidos é importantíssimo. Um psicólogo deve estar
de plantão mesmo depois de passado meses do evento para que possa detectar
eventuais sintomas cognitivos. Isso se explica porque é ao longo do tempo que o
ego lida com o trauma e a sua energia psíquica é dissipada da memória.
A reação ao trauma, ou
os transtornos psicológicos advindos do trauma, são um sinal. Sinal que
expressam medo e pavor extremos, profunda tristeza, paralisia integral
relacionada à introspecção advinda da concentração desviada para a memória do
fato e das vítimas,
Os adultos costumam
ter, pela mentalidade corrente na sociedade, uma espécie de defesa psicológica
contra os efeitos dos traumas. Mostrar-se fraco não é bom. Não posso incomodar
os outros, pensam. Estou bem, dizem. Isso é prejudicial porque os faz recalcar
um medo. Todos somos frágeis e temos limites. Precisamos tolerar isso e
aprender a lidar com isso. Logo, a os efeitos do trauma tendem a ser misturados
com os da defesa psicológica deles. Como negação e sobrevalorização do evento,
outras defesas incluem fumar e beber em excesso. Ver filmes em excesso, sair e
tentar se desconcentrar etc. Essas defesas do adulto costumam produzir um
comportamento exagerado e superficial na tentativa de se livrar da fraqueza que
o evento o proporcionou.
O
tratamento desses traumas
Em primeiro lugar, todos
precisam aceitar a condição de traumatizados e vítimas. Em segundo cercar-se de
apoios psicoterapêuticos para elaborar o trauma. Esses apoios não são
exclusivamente os psicoterapêuticos clínicos, mas sim o suporte grupal, as
discussões na escola, o suporte e a presença dos pais, os trabalhos escolares,
tudo.
Devemos ressaltar que
nesse processo de elaboração do evento traumático cada sujeito deve ser
respeitado em seu grau de disposição para discutir o acontecido. Não podemos
produzir outra violência para tentar tratar uma anterior. Contudo, essa
resistência em discutir o acontecido deve ser observada de perto e acompanhada
por profissionais psis para que chequem se isso não é um fechamento excessivo
que trará mais problemas psicossociais no futuro.
Os pais das vitimas
podem, além de se inserir em tratamentos psicológicos, formarem uma associação
de apoio mútuo de caráter temporário para darem-se o suporte afetivo e de
recursos necessários para passarem por esse momento difícil.
Essa temática pode
estar em sala de aula também. Contudo, é preciso um momento para que o próprio
tempo dissolva toda a carga afetiva envolvida nesse triste episódio. Para que
isso aconteça, a direção da escola assessorada por profissionais psis haverão
de julgar o momento de cessar as discussões grupais e passar para um segundo
estagio: o foco individual naqueles que ainda precisam de mais tempo para
elaborar o ocorrido.
O
papel da escola nesse momento
Creio que o bom senso
deve reger as aulas. Haverá momento de desconcentração, de choro, de silencio.
Todos esses tempos devem e creio que serão respeitados pelo corpo docente e
direção da escola. Os processos de avaliação e de aplicação de conteúdos
escolares poderiam ser repensados e uma avaliação pontual poderia dar lugar a
uma avaliação estendida e diversificada em seus métodos. Precisamos saber que
nesse momento a capacidade cognitiva pode estar em déficit em alguns do corpo
discente.
O trabalho do corpo
docente deve estar assessorado por profissionais psicólogos e psiquiatras que
haverão de realizar plantões decrescentes ao longo do tempo na escola. À
disposição dos alunos, professores e todos os atores educativos. Tanto de forma
individual quanto grupal.
É enormemente
necessário que haja sintonia entre esses profissionais e os atores educativos
(professores, alunos e diretores). Eles precisam de um canal de comunicação
aberto para ajustarem a carga e a freqüência dos debates sobre o trauma.
Conversar sobre o ocorrido é necessário. Para esquecer é preciso lembrar, mas
para lembrar com eficácia, esse conversar deve ser decrescente respeitando a
dificuldade de cada um. Deve-se ter o senso adequado para não massacrarmos a
memória das vitimas para além do necessário.
O
que era o Wellington?
O modus operandi de um assassino
denuncia indiretamente a sua psicodinâmica, suas fantasias, sua estrutura de
personalidade e sua historia. No caso de Wellington muitos quadros clínicos
foram apresentados, mas uma coisa pode ser inquestionável: pelo modus operandi,
desconsiderando caso de psicose, foi uma devolução de ódio.
Podemos considerá-lo um
psicopata exclusivamente pela execução desse seu ato. Ele não era simplesmente
um neurótico. Era mais do que isso. Contudo, para academicamente diagnosticá-lo
assim deveríamos ter mais evidências suas, tanto as comportamentais quanto
verbais, para nos assegurar de um diagnóstico com certeza.
Para entender a mente
de um assassino, nós temos o hábito de perguntar ‘que fatores levam um
indivíduo a cometer tal ato?’. Só que esta pergunta é incompleta. Por isso
todas as respostas parecem deixar algo a desejar. Justamente por faltar a outra
parte da pergunta necessária para entendermos o que leva uma pessoa a fazer
isso.
A pergunta é ‘que
fatores psicológicos estavam ausentes e que seriam necessários para impedi-lo
de fazer isso?’. Aí, podemos listar: culpa impeditiva, empatia, reconhecimento
do limite e da existência do outro, senso de realidade, esperança e até mesmo
amor. Portanto, de uma certa forma, esses elementos psíquicos estão faltantes
na mente de um assassino. Na gênese de sua personalidade eles não são fatores positivos
e determinantes, mas fatores negativos por estarem ausentes.
Um assassino é um ser
formado ao longo do tempo. Não podemos desconsiderar fatores sociais, econômicos,
religiosos, escolares, mas o que determina é justamente o acaso. Acaso? Sim. O
acaso de ter uma personalidade forjada com muito ódio e fatores psicológicos
positivos ausentes.
Qualquer comportamento
humano é sempre multideterminado e complexo. Isso porque vários fatores
colaboram para um comportamento acontecer. Complexo porque precisamos ao longo
do tempo de uma serie crônica de fatores positivos (rejeição, bullying, ódio, pais
distantes e maus, etc.) somados ao longo do tempo com fatores negativos (ausência
de pais com suporte emocional, valores sociais e éticos introjetados no ego,
amor, esperança, etc.) e fatores de conveniência (como a religião extremista de
assassinar em nome de um Deus). Qual desses é determinante, perguntam. Nenhum,
porque a mente é complexa. Logo todos esses três tipos de fatores são
determinantes e potencializadores um do outro.
Até
que ponto o bullying influenciar uma pessoa a cometer um crime como esse?
Ate o ponto em que o bullying encontra uma personalidade
desequilibrada, uma família que não sabe do que acontece e não intervém, até o
ponto em que o bullying sai da escala do eventual e se torna crônico, ate o
ponto em que há fatores de conveniência para realizar tal ato criminoso, até o
ponto em que temos uma escola inoperante, até o ponto em que o bullying se
torna uma injustiça e um acumulador de ódio. Ou seja, perceba que listei uma
serie de eventos que somados podem desencadear um crime. O crime é o resultado
de uma negligencia em algum lugar da sociedade. Negligencia porque houveram
falhas na formação de uma personalidade. Tanto da escola, quanto dos familiares,
quanto do estado. Agora de quem é a culpa? De nenhum e de todos ao mesmo tempo.
O que a escola precisa
fazer é intensificar o debate sobre o bullying. O bullying acontece tanto em
atos violentos quanto em palavras e olhares. O debate e a promoção da
tolerância do diferente devem estar insertos na escola e engajar todos os
atores educativos. Não podemos cair na culpabilização de quem deve educar: se a
família ou a escola. Mas a escola tem um papel a cumprir e o Estado precisa
remunerar bem esses profissionais de ouro para que esse papel seja bem
executado. Os professores estão
esquecidos. Há toda uma luta política envolvida. Você sabe qual é o salário de
um professor do Estado do RJ?
Entrevista Efetuada por Andrea França
Jornal O Estado do RJ
0 comentários :
Escreva Aqui