Ética na Indicação de Psicoterapia

A prática de indicar um paciente para uma abordagem específica de psicoterapia, sem considerar outras opções, tem se tornado um ponto de controvérsia na interface entre a medicina e a psicologia. A seguir, exploramos porque essa prática pode ser antiética e potencialmente prejudicial ao paciente, baseando-nos em diretrizes do Código de Ética Médica e da Organização Mundial da Saúde (OMS).


Violação da Autonomia do Paciente


A autonomia do paciente é um princípio fundamental tanto na medicina quanto na psicologia. O Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/2018) é claro ao afirmar que é vedado ao médico "deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre a sua pessoa ou seu bem-estar" (Art. 21). Direcionar um paciente para uma abordagem específica de psicoterapia sem apresentar outras opções disponíveis compromete a autonomia do paciente, privando-o da oportunidade de tomar uma decisão informada sobre seu tratamento.


Necessidade de Consentimento Informado


O consentimento informado é um pilar ético na prática médica. O Código de Ética Médica exige que os pacientes sejam plenamente esclarecidos sobre os procedimentos a serem realizados (Art. 5º). Na psicoterapia, isso implica que todas as opções terapêuticas disponíveis devem ser apresentadas ao paciente, incluindo seus benefícios e limitações. Direcionar o paciente para uma única abordagem sem essa explicação detalhada pode ser considerado uma falha em fornecer o consentimento informado. Um outro argumento é que o médico não tem competência profissional para conhecer abordagens psicológicas a ponto de entender qual é a mais adequada para o paciente. O profissional Psicólogo é quem está habilitado a responder sobre abordagens da própria Psicologia. 


Abordagem Baseada em Evidências


A Organização Mundial da Saúde (OMS), em seu Manual de Intervenções de Saúde Mental (mhGAP Intervention Guide), enfatiza a importância de intervenções baseadas em evidências. A escolha de uma abordagem psicoterapêutica deve ser fundamentada em evidências científicas que demonstrem sua eficácia para a condição específica do paciente. A prática de indicar uma abordagem específica sem considerar as evidências disponíveis pode resultar em um tratamento menos eficaz e, consequentemente, prejudicar o paciente. Dentro dessa perspectiva, é importante ressaltar que um tratamento psicológico tem vieses de imprevisibilidade. Assim, não há como garantir qual profissional ou abordagem irá ser efetiva com certeza para cada paciente. Há de se considerar ainda que algumas abordagens possuem menos publicizacão do que outras para apenas categoricamente seus efeitos benéficos, porém, isso não é sinal de que tais abordagens não são eficazes. Somente a forma de divulgação científica de algumas abordagens são menos aliadas a e menos próximas a práticas médicas, porém não menos eficazes. 


Personalização do Tratamento


O mhGAP da OMS também destaca a necessidade de uma abordagem centrada no paciente, que leva em consideração suas necessidades individuais, preferências e contexto cultural. Cada paciente é único e pode responder de maneiras diferentes às diversas abordagens psicoterapêuticas. A personalização do tratamento é essencial para garantir a eficácia e a adesão do paciente ao tratamento. Direcionar um paciente para uma única abordagem específica desconsidera essa necessidade de personalização e pode não atender adequadamente às suas necessidades. Outro argumento é que cada profissional Psicólogo pode ter formações múltiplas. O que importa é a qualidade das formações de um profissional. Um bom indicador para isso é a sua agenda, se é cheia ou não. Um bom exemplo é a abordagem X que é feita exclusivamente para o quadro Y. Isso não significa certeza de sucesso da abordagem no tal quadro. Uma outra abordagem poderá ser eficaz porque tudo dependerá da forma de vínculo do profissional com o paciente. 


Flexibilidade e Multidisciplinaridade


A flexibilidade nas intervenções e a abordagem multidisciplinar são princípios fundamentais defendidos pela OMS. As intervenções psicoterapêuticas devem ser adaptáveis às circunstâncias individuais do paciente, e o tratamento deve envolver uma equipe multidisciplinar para garantir uma visão completa e integrada das necessidades do paciente. Indicar uma única abordagem específica sem considerar outras opções e a colaboração com outros profissionais limita a qualidade do cuidado oferecido. Outro argumento é que o próprio Psicólogo tem o dever de recusar vínculo de tratamento para quadros para os quais não está preparado. Essa conclusão sobre estar ou não preparado para cada quadro é do psicólogo e não pode ser efetuado por um médico que direciona o paciente retirando dele o poder de escolha livre e amplamente informada.


Capacitação e Competência Profissional


Os profissionais de saúde mental devem ser devidamente capacitados e competentes nas intervenções que oferecem. O Código de Ética Médica reforça a importância de atuar com o máximo de zelo e dentro da capacidade profissional do médico (Art. 1º, Parágrafo Único). Um médico que indica uma abordagem específica sem estar plenamente informado sobre outras opções ou sem reconhecer suas limitações de conhecimento está, potencialmente, agindo de maneira antiética e prejudicial ao paciente.


Conclusão


A prática de direcionar pacientes para uma abordagem específica de psicoterapia, sem considerar outras opções, viola princípios éticos fundamentais como a autonomia do paciente, o consentimento informado e a personalização do tratamento. Além disso, vai contra as diretrizes da OMS de intervenções baseadas em evidências, flexibilidade nas abordagens terapêuticas e a importância de uma abordagem multidisciplinar. É crucial que os médicos reconheçam suas limitações, informem os pacientes sobre todas as opções disponíveis e encaminhem-nos para profissionais qualificados que possam oferecer o tratamento mais adequado às suas necessidades individuais.


Ao promover uma prática ética e baseada em evidências, garantimos que os pacientes recebam o melhor cuidado possível, respeitando seus direitos e promovendo sua saúde e bem-estar de maneira integral e humanizada.


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