Quem tem Medo de Dentista?


-->
Artigo escrito para o site IDMED Uol

O medo de dentista é um sentimento normal. Contudo, ele pode se transformar numa fobia. Segundo informações, em torno de 4 a 10% da população tem medo de dentista e uma parcela desses apresenta a fobia.

Um paciente pode ter ansiedade em relação à consulta do mês que vem com um dentista. A pessoa gasta tempo imaginando como poderá ser. Ela está com a mente (pré)
ocupada com o evento futuro. Contudo, o medo não impede a pessoa de ir ao dentista. Por outro lado, a fobia pode ser a soma do medo a um comportamento de evitação com sensações fisiológicas específicas no corpo, chamadas pânico. A fobia pode ser o medo exagerado, que causa reações de fugir do objeto de fobia – no caso o dentista.


Medo exagerado

O medo exagerado é um sentimento que podemos definir como uma reação de defesa do organismo contra uma possível ameaça. Essa reação de defesa é fisiológica, comportamental e psicológica. O pânico pode ser desencadeado no contato com os procedimentos odontológicos ou, apenas, ao pensar no barulho do motorzinho do dentista. A sensação de pânico – que não é o transtorno de pânico – é um evento fisiológico do sistema nervoso que desencadeia sudorese (suor excessivo), sensação de desmaio, taquicardia (coração acelerado), tremores, respiração ofegante, etc.

Podemos chamar a fobia de dentista de odontofobia. Na mente do odontofóbico ocorre um processo de generalização, onde o paciente pensa que “se aconteceu uma vez o trauma, poderá acontecer de novo – então, o evito”. A antecipação e a imaginação de um possível evento traumático podem ser outro mecanismo psicológico que desencadeia a fobia. Isso é uma aprendizagem automática, já que o fóbico associou o trauma (próprio ou de terceiros) a todas as futuras visitas ao dentista.

A antecipação e imaginação são mecanismos psicológicos que fazem a mente prever um possível dano, desencadeando pensamentos e sentimentos que criam o medo. O xis da questão é o quanto uma criança aprende a enfrentar esses medos desde pequena e se fortalecer perante esse mecanismo instintivo da existência humana. Esse processo psíquico de generalização, pânico e estresse amplia a sensação de dor para alguns indivíduos e dificulta as operações odontológicas, aumentando a probabilidade de acontecer algum evento traumático.

Podemos citar algumas explicações para essa forma equivocada de pensar as emoções e os fatos. Nos fóbicos, a mente não processa adequadamente alguns medos. Isso se explica na infância pela ausência do aprendizado infantil com relação às emoções. Mas não podemos generalizar, já que a fobia dos procedimentos dentários pode ser um aprendizado relacionado a um trauma real.

Outra explicação possível para esse descontrole frente ao medo é que as emoções são as principais forças motivadoras do ser humano. O poder das emoções sobre a vontade é maior que o poder dos pensamentos. Isso se explica neurologicamente, uma vez que as emoções estão ligadas aos processos fisiológicos. Por isso, apenas saber que o procedimento de implantação de prótese dentária dói menos que o da lesão cariosa grave não é o suficiente para controlar o medo sentido na carne.

Genericamente, essa fobia pode ter algumas explicações psicológicas e sociais, como o mito social, que remonta historicamente ao desenvolvimento da odontologia e aos hábitos sociais antigos quanto ao cuidado bucal.


Causas do medo de dentista

Antigamente, os dentistas eram chamados de sangradores e utilizavam apenas substâncias cáusticas para estancar o fluxo de fluidos. Os indivíduos não tinham consciência de qualidade de vida e a procura pelo profissional acabava sendo tardia. O procedimento principal era apenas extração dentária e a ausência de preocupação higiênica do profissional era um fator negativo que reforçava esse medo.

O mito, nesse caso e por enquanto, pode ser definido como as histórias contadas e repetidas por essas gerações, contendo verdades misturadas a mentiras sobre um determinado fato odontológico. Tais histórias proporcionam mais medo do dentista.

Outros fatores são uma experiência traumática própria; a experiência traumática de terceiros; a falta de informações e orientação adequada; o contato com profissionais mal formados; a ausência de hábitos para tratamentos preventivos de cuidado e zelo com a arcada dentária e com a boca, assim como ausência de tratamentos preventivos, com procura tardia pelo dentista.


Controle do medo

Para evitar a fobia de dentista, seria aconselhável a procura por tratamentos periódicos para que o paciente se habituasse aos cuidados preventivos e assim minimizasse a oportunidade de emergência de uma fobia.

Para lidar com a fobia e enfrentá-la, alguns procedimentos poderiam ser indicados tanto ao paciente quanto ao profissional. Isso porque a odontofobia precisa de enfrentamento prático e gradual para que se diminua a sensibilidade psicológica ao objeto de fobia.

Por exemplo, se a fobia for restrita ao barulho do motor da caneta rotatória, o paciente poderia marcar visitas ao dentista apenas para conhecer o tal motor e agendar para outra oportunidade o contato físico com os procedimentos onde será usado o motorzinho. Isso é enfrentamento gradual. Aos poucos o contato com o objeto de fobia é efetuado para diminuir suas sensações estressantes no organismo e na mente.

Outro fator importante é a correta, a adequada e a verdadeira informação sobre os procedimentos odontológicos. A confiança do paciente no profissional é fundamental para se extinguir a fobia. Uma informação errada ou mal dada pode ser fatal. Inclusive, aconselho aos dentistas não alimentar o medo concedendo informações desnecessárias, tais como dizer ao paciente que o procedimento de extração dentária não dói, já que estará anestesiado. Em algumas pessoas, a simples concessão dessa informação pode ativar a produção de adrenalina, que – sabemos – diminui o efeito das anestesias. Por isso a sensibilidade para checar o estado emocional do paciente é fundamental para saber discernir quando uma informação terá efeitos positivos ou negativos.

A conversa com o dentista pode ser um outro instrumento de enfrentamento da fobia. Pague consultas só de conversa. Afinal, você tem uma fobia e precisa arcar com os custos de enfrentá-la. Durante a busca por informações, o mais indicado é que seja feita pessoalmente com o profissional contratado para que ele tenha a oportunidade de agir instantaneamente, oferecendo amparo emocional ao paciente fóbico.

A informação deve ser sobre os procedimentos, os materiais, as tecnologias e o problema do paciente. O modo de pensar deve ser reaprendido através da própria informação e do enfrentamento gradual da situação de fobia. É importante a verbalização de todos os medos para que haja a possibilidade de diminuição da força imaginária das fantasias fóbicas.

O tratamento da odontofobia pode ter mais sucesso através do enfrentamento planejado do medo junto ao dentista. Desenvolver procedimentos para lidar com isso é essencial para esses profissionais. O dentista ainda pode oferecer, na medida do possível, tratamentos progressivos, tratando pequenos problemas primeiro e depois os mais graves relacionados à dor.

Esses pacientes fóbicos não conseguem ter êxito no autocontrole emocional. Seus pensamentos estão fixados numa imagem catastrófica e na desconfiança com relação ao risco do procedimento odontológico. Na verdade, hipotetizo que o que diferencia os fóbicos dos não fóbicos é esse autocontrole.

O paciente não fóbico deve ter a mente habitada por fantasias, preocupações, estresse, assim como o fóbico. Contudo, devido a algum fator, o paciente sem fobia mantém o autocontrole e não sai correndo do consultório.

Alguns chamados não fóbicos resistem, pensando que é melhor enfrentar agora do que depois, e acabam tendo maior tolerância, suportando a dor e permanecendo. Tais pacientes possuem um mecanismo psíquico pessoal para o enfrentamento da dor e dos medos. Pensam, cantam mentalmente aquela música adorável, imaginam o sorriso perfeito, pensam que ali não morrerão e que o pior não pode acontecer, fazem respiração relaxante, lembram de um programa favorito de televisão, etc. Enfim, mantêm a mente ocupada com outra coisa durante o processo.

Assim, podemos encontrar um fator comum dos não fóbicos. O segredo não é que eles não sintam a dor e o medo, mas sim que criam na mente os mecanismos psíquicos para desviar da consciência o sentimento de medo e da dor durante o processo odontológico. Possivelmente são pessoas que conseguem reprimir melhor seus medos através da ativação de pensamentos que desviam parcialmente o medo e o inserem em um mundo à parte criado pela mente. São pessoas que se autotranquilizam, que conversam mentalmente consigo mesmas e se tornam autocontroladas devido a esse mecanismo psíquico de fuga virtual e parcial do medo.

Portanto, não há mágicas. O enfrentamento gradual, a informação e a correção do modo de pensar as emoções são as estratégias básicas para manejar a fobia. O maior problema é que o fóbico possui papel ativo durante o manejo da fobia. Só que alguns não querem pagar o preço da atuação ativa. Mas, por enquanto, não há caminhos alternativos.


Dr. Marcelo Quirino é Psicólogo formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e atua como Psicólogo Clínico. www.marceloquirino.com


Artigo originalmente publicado em: 
Imagem do site idmed uol

0 comentários :

Escreva Aqui