Quando terminei o ensino médio, após tentar por dois anos consecutivos o vestibular, meu pai, apesar das dificuldades financeiras, queria pagar uma faculdade particular para mim. Ele acreditava que essa seria a única forma de eu conquistar uma educação superior. Mas, com humildade e com uma determinação que não sei de onde vinha eu disse: "Não precisa, pai. Eu vou conseguir passar para a UFRJ, nem que eu estude até ficar velho." Essas palavras não foram ditas da boca para fora.
Eu realmente me dediquei de corpo e alma a essa missão. Tentei tres vezes, passei na terceira para Psicologia UFRJ e na UFF em geografia no terceiro lugar. Escolhi a primeira com certeza!A faculdade foi intensa. Estudei como nunca antes, cada tempo sobrando da minha grade era dedicado aos livros e às xerox. Era comum estar na bibliotecas, com pilhas de xerox, revisando mesmo cansado alguns detalhes e tentando dar conta de tudo, sem conseguir totalmente, claro. Durante os 6,5 anos de curso, acumulei tanto material de estudo que enchi dois galões com as xerox que lia incessantemente. Não havia muito tempo para diversão; minha diversão era aprender, ler, absorver conhecimento e me preparar para o futuro. Finais de semana quase não existiam, eram só livros durante 6,5 anos. Nunca peguei menos matérias que o sugerido, nunca tranquei nenhuma disciplina. Só andava pra frente à medida que vinha as matérias, provas, trabalhos e conteúdos num curso que era integral das 7h até 18h. Minha casa ficava a 2h e 20min de distância.
A vida universitária não foi fácil. A faculdade toda foi feita com uma bolsa de 300,00 reais, e eu levava marmita fria todos os dias para economizar. As pessoas ao meu redor achavam que eu era louco, um pobre estudando integralmente, longe de casa, sem trabalhar durante tanto tempo. Diziam que eu não iria conseguir. Mas essas palavras não me abalaram. Eu sabia o que queria e estava disposto a pagar o preço.
No entanto, a jornada foi ainda mais desafiadora do que eu poderia imaginar. Reprovei em quatro disciplinas, não por falta de esforço, mas devido à distância e ao falecimento da minha mãe no final do curso. Ela pelo menos foi à formatura antes de partir. Perder minha mãe foi um golpe devastador, mas eu não tranquei a faculdade. Sabia que ela queria me ver formado, e isso me deu força para continuar. Tive que arrumar um estágio pago para me sustentar, o que significava que meus dias eram preenchidos por quatro horas e meia de transporte público, quase 24h por semana só de transporte. Lia no metrô e no ônibus para não perder esse precioso tempo.
Apesar de todos os obstáculos, consegui completar a graduação, formação e licenciatura em Psicologia, conquistando três diplomas. Fui um verdadeiro rato de biblioteca, dedicando-me intensamente aos estudos. Desistir não era opção. Nem o medo típico de formandos sobre conseguir um emprego me ocupava. Eu só tinha um objetivo: terminar o que comecei. A perda da minha mãe ainda é uma dor presente. Até hoje, não consegui pegar o vídeo da minha formatura, pois a dor de vê-la lá é grande demais. Ela permanece em minha memória, uma inspiração constante, uma força que me guia.
Hoje, após anos de dedicação e sacrifício, recebo a diplomação com honras de Dignidade Acadêmica grau Cum laude em Psicologia na UFRJ. Este reconhecimento é a realização de um sonho antigo, um objetivo pelo qual lutei incansavelmente. A gratidão que sinto é imensa, especialmente aos meus pais, que sempre acreditaram em mim. Ofereço esta honra à minha família, que me suportou e continua me apoiando enquanto busco aperfeiçoamento contínuo.
Esta conquista não é apenas minha. É de todos que me apoiaram e acreditaram na minha capacidade. É uma prova de que, com determinação e apoio, qualquer sonho pode se tornar realidade. Agradeço a todos que fizeram parte desta jornada e continuarei honrando esta dignidade acadêmica com dedicação e amor à Psicologia.
Conquistar o grau Cum laude não foi apenas um título, mas a confirmação de que todo o esforço, todas as noites sem dormir, todos os desafios superados valeram a pena. Esta vitória é dedicada à memória da minha mãe, que sempre estará comigo em espírito, e à minha família, que é meu porto seguro. Cada lágrima, cada sorriso, cada momento difícil foi parte essencial desta caminhada. E hoje, ao olhar para trás, vejo não apenas a estrada árdua, mas também a incrível transformação que ela proporcionou.
Marcelo Quirino, Psicólogo
Macaé, Rio de Janeiro, 2024
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