Mente Saudável pelo Divã?


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Creio que o processo psicoterapêutico é também um momento interessante que pode servir de reflexão de nós mesmos. Um processo psicoterapêutico pode também ser definido como um momento e espaço de buscar uma maior integração psicológica e harmonia da personalidade de uma pessoa.

A psicoterapia é uma experiência de busca de uma mente saudável, claro que devemos problematizar essa palavra saudável para que não romantizemos a terapia imaginando que ela nos fará viver num nirvana assintomático. A angústia nos
constitui e por ela nos distinguimos como humanos. Nem os loucos escapam à angústia, e nem os místicos que possuem um contato direto com o divino estão ausentes desse sentimento.

Para o Psicanalista Bion, angústia pode ser definida como ausência de espaço interno. Daí vem a palavra aperto no peito. Sem espaço interno, não há espaço para a harmonia e a paz. Mas essa definição pode ser problemática, uma vez que é essa angústia que move a humanidade. Deixemos esse papo para outro texto. Só se sabe que a mesma angústia que nos move é a que pode nos paralisar. Percebe o problema? Leia o texto A Angústia faz Parte para melhor entendimento da angústia.

Continuemos. Há na pós-modernidade uma visão de felicidade como sinônimo de 'gozo eterno de uma mente sem angústia'. Logo, uma utopia que pode ser até mesmo sinal de um sintoma: a onipotência, quando acreditamos que podemos tudo, até mesmo o que é utópico. Essa onipotência é uma formação subjetiva muito comum em muitos casos clínicos nesses dias globalizados. Falaremos dela em momento oportuno, quando houver espaço ou falta dele por angústia. O texto Retratos dessa Sociedade aborda um pouco os efeitos psíquicos dessa cultura atual na subjetividade humana.

E antes que nos desvirtuemos do tema proposto - o processo psicoterapêutico como oportunidade de proporcionar mente saudável -, gostaria de ressaltar que com a experiência clínica aprendemos uma coisinha muito importante que está justamente ligado à utopia, mais exatamente à anti-utopia: a realidade das limitações de um processo psicoterapêutico.

Quando saímos da formação, pensamos que podemos tudo, com todos os casos e em todas as idades e que é só deitar o paciente no divã que depois de alguns meses tudo estará resolvido se seguirmos o que reza a cartilha teórico-prática da universidade e de nossa análise. Ledo engano.

/Saber das limitações que envolvem nossas ferramentas nos faz mais eficazes no uso dela.

Tive um professor chamado Japiassu, um ícone em Epistemologia científica (área filosófica que estuda criticamente as teorias e a prática científica), especialmente da Psicologia, um velhinho sábio que não confundia informação com formação. Uma coisa posso dizer que aprendi de bom com esse mestre que estava  em seu último período e prestes a se aposentar na UFRJ: "nossas teorias e nossas práticas têm alcance e limitações das quais precisamos nos manter conscientes". Trocando em miúdos, não somos onipotentes, muito menos oniscientes.

Há clientes que se sairiam bem perante seus sintomas se fossem fazer academia, ou praticar atividades voluntárias e não se submeter a um processo psicoterapêutico intenso e dolorido. A questão da analisibilidade de um cliente deve ser levada em conta. Isso não se aprende na teoria clínica. A psicoterapia tem seus limites, ela não é onipotente. Perante sua impotência, existe a oportunidade de aperfeiçoamento da teoria e experiência do psicoterapeuta. E quando é potente, deve ser aproveitada ao máximo.

Volto ao objetivo que me propus no início do texto - a psicoterapia como momento de mente saudável -, creio que apesar dos desafios que se enfrenta, a psicoterapia ainda é uma ótima opção para quem procura um momento de mente saudável.

Nesses tempos, estamos divorciados de algo muito importante: nós mesmos. Já se apercebeu disso, caro leitor? Você como divorciado de você mesmo? Pois é. Por vezes sofremos muito por isso, estamos desintegrados psicologicamente. Nós somos um grupo, não somos um indivíduo, sabia disso?

/Indivíduo não existe. Todo ser humano é um grupo.

Na verdade, essa palavra indivíduo é excepcional porque sua etimologia comporta um equivoco. Indivíduo vem de Latim Individuus, “o que não pode ser dividido” (http://origemdapalavra.com.br/palavras/individuo/). Mas o indivíduo (que não pode ser dividido) é altamente dividido quando posto sob o olhar clínico rigoroso de um profissional.

Dividido entre seu desejo e sua obrigação, dividido entre o superego (dever) e seu id (prazer), enfim há muitos modos de divisão. O pior é que esta divisão nem sempre é sabida pelo sujeito dividido. Há partes de sua personalidade e história que estão altamente divididas de sua consciência, tal como uma fantasia muito arcaica, por exemplo, e ainda por cima são projetadas em outras pessoas. Quem nunca viu um cara dizendo que o outro lá é chato, mas na verdade o chato é ele mesmo?

Somos tão divididos que essa parte de nós, interna, íntima chega a ser estranha a nós. Na verdade o fundo de nosso ser deveria ser chamado de extimo e não de intimo. Extimo como se fosse algo estranho que nos habita, ex-terior. Qual das leitoras nunca reclamou de si mesma por se apaixonar por alguém que não deveria? Tai o tal extimo que lhe habita, um estranho desejo irreconhecível por você mesma.

/Por vezes o centro de nosso ser é tão desconhecido que nem deveria se chamar íntimo, mas extimo. Uma alusão ao estranho exterior que nos habita e não sabíamos.


Para terminar, a história de um ‘divíduo’, guardada as devidas modificações, alterações, seleções, omissões e tudo mais para tornar impossível a tarefa de identificação por qualquer que seja. Ele chegara para terapia totalmente arrasado e insatisfeito consigo mesmo. Tudo porque se apaixonava sempre pela pessoa errada. Geralmente casada e mais velha do que ele. Sempre era posto de lado nesses relacionamentos porque a amada tinha esposo. Ele não sabia o porquê disso. Entretanto, ao levantar as cortinas e vermos no palco de sua personalidade desfilar os mais diversos elementos psicológicos arcaicos de sua vida, vemos que havia um enredo a ser buscado como fantasia psíquica: ser o menino protegido num relacionamento com uma mulher mais velha e ao mesmo tempo ser o castigado por nunca poder desfrutar de uma ‘mãe’ que nunca era sua.

Em sua vida, ele projetava uma mãe mais velha protetora idealizada e malvada que nunca era sua por inteiro, só pela metade. Idealizada e distante era a figura feminina de si mesmo. Logo ele deveria buscá-las, mas nunca alcançá-las. Ele repetia uma história e se regozijava ao mesmo tempo nesses relacionamentos. Depois que descobriu esse enredo de sua subjetividade, tudo ficou mais claro para si. Percebeu que um extimo desejo o habitava fazendo-o repetir coisas antigas. Tornou-se responsável por isso a partir de então e o que antes era ansiedade passou a ser fetiche controlável.

Contudo, não se deve dizer que ele tenha perdido tal forma de relacionar-se. A utopia que envolvia a história amorosa, a autopunição de sustentar uma expectativa de ser correspondido integralmente desapareceram como por passe de mágica. Talvez ele tenha passado por si mesmo e se deparou consigo próprio. Nesse processo, passou de um modus operandi fixo para um modus operandi de vir-a-ser mais harmonioso, mais ciente dele mesmo.

Nesse sentido, passar por si mesmo e ver como somos através do outro - o terapeuta e a mulher mais velha que é a mãe inatingível - é que nos reconheceremos e perceberemos o espaço subjetivo que reservamos a nós mesmos e aos outros nas relações sociais. Tal espaço é sempre a nossa prisão quando vivemos nele, mas pensamos que ele tem outro tamanho e forma. Um texto que fala de fantasias é o Amor, Desejo e Desamparo. É um texto difícil porque antigo, das épocas onde não percebia a importância da clareza e nem do próprio nicho de leitores a alcançar, mas vale a pena o esforço de lê-lo. Escrever é lapidar-se.

Esse exemplo citado lá em cima foi um momento de mente saudável que deu certo. Isso aí. Psicoterapia pode vir a ser um momento  de mente saudável, principalmente quando nos despimos de toda utopia onipotente e tomamos coragem para empreender uma viagem ao centro de si mesmo.  

Paz e harmonia aos meus leitores!



5 comentários :

  1. Obrigado, Lins. Não gostei tanto... eu já diria muitas coisas de forma diferente e, relendo, percebo o quanto diversos fatores importanes estão ignorados.

    Issaê, a escrita é sempre injusta, pois é um pensamento congelado (no espaço) e momentâneo (no tempo).

    Mas a escrita é para os corajosos que se dispõem a dizer momentaneamente o que seria bem mais dito no depois...

    Grato pela visita, e critique os textos mal-feitos, há muitos... rs!

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  2. Olá Quirino o seu nome lembra querido, e é o que você é por nós. Como vai o amigo e irmão em Cristo Jesus? A família vai bem? Obrigado por se lembrar de nós.

    Gostei muito dos textos, realmente é uma lição e tanto de sabedoria, algumas até mesmo além da nossa limitação, mas quem sabe um dia possamos chegamos lá. Gostei muito do "Indivíduo não existe. Todo ser humano é um grupo.", vai de encontro com o que nos ensina o nosso Deus em romanos 14:7 "Porque nenhum de nós vive para si, e nenhum morre para si."

    Temo uma curiosidade: O que significa a imagem no tópico"Mente saudável pelo divã?" ?

    Um abraço, felicidades na Paz de Jesus,
    Flávio e Judite

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    1. Como vão vocês? Tudo bem? Fico grato pelos elogios. Leia e esteja à vontade para comentar.
      A imagem de um ET representa a parte estranha que possuímos em nós. Todos somos estranhos para nós mesmos. Há partes nossas que não conhecemos e quando nos conhecemos realmente, essa parte desconhecida de nós parece um ET, um estranho, não reconhecido, negado e não aceito como parte de nós. É mais uma das metáforas psicanalíticas.
      Por exemplo: por mais que sejamos chatos, nós nunca reconhecemos essa chatice em nós. Essa parte pra nós é um ET, um estranho que não nos pertence e aí nós negamos essa parte chata que somos. Alguns já são mais sinceros e reconhecem que são chatos mesmo.
      Por isso se conhecer ou fazer análise é se deparar com alguns ET´s que nos habitam, alguns estranhos.
      Porque nós somos estranhos para nós mesmos....

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  3. Agradeço muito pelos seus textos. Me ajudaram a entender algumas coisas que passei.

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