Expatriados da Família

As aves de nossa terra gorjeiam melhor. Só lá nos divertimos melhor com nossa bicicleta, nossa ginástica, nosso burro brabo e nossos banhos de mar. Fora de nossa terra não temos a mulher que queremos, não somos amigos do rei e nada tem graça.

Portanto, estar longe de nossa terra é sempre um desafio para sabermos o quanto nossa própria companhia é agradável. Às vezes nos enjoamos de estar conosco mesmos, por mais brilhantes que sejamos e assim bate o tédio.

Em outro texto abordei a temática do Relacionamento Familiar. Neste, abordarei a falta dele.


Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
 Lá sou amigo do rei
Manuel Bandeira


Essa distância familiar ocasiona a depressão circunstancial. Que nada mais é do que uma forma de depressão aguda, intensa e relacionada a um fator específico e não-existencial. É uma forma de depressão fácil de tratar. Entretanto, quanto menos dificuldade de adaptação na nova realidade se tiver, mais perdurará essa depressão.

Essa depressão circunstancial pode ser ainda resultante de uma negação em adaptar-se. A pessoa indignada com essa nova realidade distante imerge em profunda ira contida e se nega a sair e aceitar que precisa recriar seus laços sociais novamente. Um outro texto que fala do tema é o Depressão Social.

Nesse sentido, uma personalidade filoneísta e desapegada à família e atraída por aventuras é essencial. Quanto mais uma pessoa tiver essas características em sua personalidade, mais fácil será a adaptação. Contudo, nem todos são agraciados com uma personalidade filoneísta.

Há pessoas que convivem em estreita relação com a família base e que não conseguem desvencilhar-se emocionalmente da proximidade da família de forma alguma. Para essas pessoas, repensar o distanciamento da família é importante, pois caso tenha inabilidade em lidar com a depressão circunstancial, poderá haver risco de psicossomatizações e problemas de saúde, pois a depressão que até então era aguda, se tornará crônica.



Uma sensação ambígua. Uma confrontação constante entre a liberdade e o vazio. Em que na maioria das vezes, as conquistas ou as coisas mais belas que estão diante de nós perdem o sentido. 
Marcos Paulo 
Desenhista da Eletrobrás Eletronuclear Paraty




O distanciamento da família pode gerar uma depressão aguda e profunda chamada de vazio. É um estado psicológico de muitas camadas emocionais, como a ira, indignação, tédio, angústia, desmotivação, desespero, ansiedade, estresse e em casos mais graves as posicossomatizações. 

O quadro psicológico de quem tem dificuldade de adaptação e está distanciado da terra de origem ou da família é um quadro rico em vivências emocionais das mais diversas. Isso justamente por ser o laço social um fato fundante do equilíbrio psicológico de qualquer sujeito. Distanciar-se da família possibilita por em xeque esse fundamento psicológico compartilhado e sustentado com os pares.

Essa vivência emocional rica pode trazer prejuízo às funções psicológicas, às funções profissionais e claro sociais de um apartado. Em longo prazo representam um risco. Em curto prazo é uma possibilidade de conhecer-se e se analisar na forma como o ego se ajusta a novas realidades.

O ser humano precisa de laço social para ter equilíbrio psicológico. Alguns têm dificuldade em adaptar-se e aceitar tal nova vida, mas estar desarmado nessa batalha é sinal evidente de adoecimento psíquico. Para adaptar-se tente refletir sobre alguns procedimentos não-protocolares listados abaixo:

Pense que você precisará seguir um princípio: manter o antigo somado a uma abertura para o vislumbre com o novo. Assim há um duplo processo: o de adaptar o ego à nova realidade e o de manter as nossas raízes alocadas nas nossas memórias e preferências associadas a prazer. 


Na verdade não sei se isto seria "uma saída", mas o que procuro fazer é ocupar meu tempo com atividades que exigem uma atenção exclusiva. O tempo parece passar mais rápido, e os problemas parecem pesar menos.
Júlia Rodrigues
Gerente Comercial AC/BP Rio Claro 




Algumas Dicas para se defender da depressão circunstancial

Crie suas próprias estratégias de fuga e de defesa quanto à nova realidade. Em casos graves, pode ser terapia, ou alguns desses citados abaixo. Vale ressaltar que a receita pronta para cada mazela humana não existe, mas valem algumas orientações básicas tais como:


1.    Cercar-se de expatriados;
2.    Vislumbrar novas possibilidades de conhecer pessoas interessantes;
3.    Buscar entender e se encaixar na filosofia local, parecer com o local. Isso não é fácil, mas busque. Não significa violentar-se, mas viver daquele modo e demonstrar seu modo de viver;
4.    Levar alguém a tiracolo;
5.    Conectar-se;
6.    Visitar lugares que lembram a pátria;
7.    Reserve dinheiro para viagens freqüentes para voltar à terra natal;
8.    Envolva-se com trabalhos voluntários onde estiver. De significância nobre à sua presença no local;
9.    Tenha pouco tempo de ociosidade;



 Lido com a situação entendendo que retornarei para casa. Retornar é excelente. E ofereço a solidão como um ato de culto a Deus. Estou passando por aquela situação por estar servindo-o. E leio. Geralmente um livro inteiro, e uns trinta capítulos da Bíblia por dia.
Pr Isaltino Gomes
Pastor da Igreja Batista Central de Macapá



Poderíamos falar de outros expatriados, como os presidiários e os hospitalizados. Esses também são privados da convivência familiar freqüente e enfrentam problemas psíquicos por conta disso. Mas isso é tema para outro momento.

Até o próximo. Espero enriquecimentos, pois você é portador da Psicologia. Ela está aí, dentro de você.

PS. Agradeço aos colaboradores desse texto, Marcos Paulo, Júlia Rodrigues e Pr Isaltino Gomes. O relatado pelos colaboradores não necessariamente expressa uma situação de vida atual, mas apenas uma experiência pela qual já passaram em algum momento na vida.


8 comentários :

  1. Do ponto de vista clínico, há como identificar o momento "limite" ou "a hora de voltar pra casa"? A fase difícil é superável ou é um sinal que a pessoa não tem estrutura para viver longe da família?

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  2. Olá. O que é o momento limite? Seria a depressão e ou o estresse já em nível avançado?

    Esses quadros clínicos seriam devido à ausência da família? Se sim, creio que a ajuda terapêutica seria uma saída. Caso não, visitas regulares ao lar. Se mesmo assim estiver difícil, cabe à pessoa fazer sua escolha. Há muitas saídas e alternativas ao 'voltar para casa'. E essa é uma questão mais política do que médica. O psicólogo não pode determinar que você deva largar seu emprego para voltar para casa. O que ele pode determinar é que há uma dor relacionada à distância.

    Você põe a questão como se a dor pela distância da família fosse irremediável. O ponto crítico apenas sinaliza uma dor e não uma saída necessária.

    Alguns têm mais estrutura do que outros para viver longe da família, digo estrutura em termos de manifestação de sintomas incapacitantes, tais como a depressão e a desmotivação.

    De qualquer forma, se a pessoa perceber que não tem estrutura, isso não significa que não a terá futuramente. Pode ser que a distância a dessensibilize e ela passe a ter a estrutura ao recriar seu modo de vida afetivo com outras pessoas. Nesse caso a fase difícil é superável para alguns.

    A simples presença da dor e da saudade não significa ausência da estrutura.

    Vale ressaltar que há pessoas que convivem perto da família e que precisam estar sempre junto dela porque não possuem estrutura para passar situações difíceis longe dos familiares. Nesse caso pode haver uma dependência emocional. Assim, omimportânte não é a distância, mas o quanto da sua independência emocional está desenvolvida.

    Respondido?

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  3. Mais que respondido! Ficou esclarecido que o que se deve observar é a razão do estresse em si e fazer o balanço de se a presença da família seria a resolução para tais problemas.

    Obrigada e tenha uma ótima semana.

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  4. Ok, então. Ótima semana para você também.

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  5. Otimo texto Dr. Marcelo.
    Estou no segundo mes morando fora do Brasil e acho que foi a primeira leitura relacionada que achei realmente interessante e de qualidade :)

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  6. Tbm nunca havia lido nada parecido. Texto esclarecido. Estou a viver fora do Brasil há 6 anos e ainda não tenho essa estrutura que o dr. fala. Mesmo indo todo os anos ver a família não me acostumo. E olha que já casei, constituí família mas nunca me sinto em casa e tenho mt dificuldades para lidar no trabalho.

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